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7 cláusulas para diluição de risco do investidor anjo – JOTA

06/07/2017

Artigo publicado originalmente para o Portal JOTA: https://jota.info/colunas/up-direito-das-startups/7-clausulas-para-diluicao-de-risco-do-investidor-anjo-03072017

Ao empreender no Brasil, especificamente no segmento de startups, mediante a criação de soluções disruptivas e com enorme potencial de escalabilidade, os empreendedores sonham em tornarem-se um novo Elon Musk ou um novo Steve Jobs, fundadores do Paypal e Apple, respectivamente.

Contudo, via de regra, estes empreendedores possuem parcas fontes de renda e/ou recursos em reserva, sendo insuficientes para a criação e crescimento do modelo de negócio da empresa. Sendo assim, praticamente a única solução para que estes empreendedores superem o denominado “vale da morte” das startups é a busca de investimento externo para as suas atividades. E é neste cenário que as startups deparam-se com o que se denominou chamar de investidores anjo, que são, em sua maioria, empreendedores já experientes e que conquistaram o sucesso em seus negócios e passam a investir, fornecendo além do capital financeiro, mentoria e networking qualificado.[1]

O objetivo do presente artigo é abordar algumas das cláusulas utilizadas pelos investidores para a  diluição do risco do investimento. Isto porque, segundo estudo desenvolvido pela Fundação Dom Cabral (2012, p. 10)[2], cerca de 25% (vinte e cinco por cento) das startups são extintas em um período inferior a um ano e cerca de 50% (cinquenta por cento) em um período inferior a 4 anos.

Portanto, além da incerteza natural sobre a prosperidade de um negócio, demonstrada acima, outro grande fator de incerteza de retorno do investimento do investidor para a realização destas operações é justamente o que Cooter e Shäfer denominam de desconfiança recíproca. Isto é, o investidor não deseja alocar o investimento sem certificar-se que a ideia ou o projeto efetivamente possui valor, ao passo que o empreendedor não deseja revelar sua ideia sem certificar-se que o investidor não irá desapropriá-la. Deste modo, o investidor deverá confiar que o empreendedor não irá utilizar o capital de forma indevida, e o empreendedor confiar que o investidor não irá dar andamento ao projeto sem a participação do empreendedor.[3]

Percebe-se, assim, que a operação de investimento possui grande espaço para a manifestação de riscos para ambas as partes. Porém, no presente artigo nos ateremos à atenuação dos riscos pelo investidor anjo, conforme algumas cláusulas a serem expostas abaixo.

Preliminarmente, não se pretende neste artigo esgotar as hipóteses de cláusulas passíveis de utilização para a diluição do risco pelo investidor e nem se pretende definir qual a operação jurídica a ser realizada, seja por título de dívida conversível, opção de compra, sociedade em conta de participação, contrato de participação, entre outros. Algumas cláusulas descritas neste artigo poderão aplicar-se para todas as modalidades e outras somente à algumas. Portanto, o investidor sempre deve consultar um advogado experiente e de confiança para a redação do documento.

A primeira cláusula que iremos dispor, considerada praticamente obrigatória nestas operações, é denominada tag along[4] e define-se como sendo um direito de saída para sócios minoritários, na hipótese em que o sócio controlador vier a alienar sua participação na sociedade. Via de regra, tal disposição visa proteger os sócios minoritários que, no caso da realização de investimento anjo, serão os próprios investidores. [5]

Partindo-se da análise de que o investimento anjo é feito principalmente em função do empreendedor, pode ocorrer que a troca na titularidade do controle da empresa investida não seja a opção mais agradável para o investidor anjo, razão pela qual comumente é exigido que tal disposição seja adicionada no acordo. Nesse sentido, vale lembrar o ensinamento de Corvo (2011, p. 100)[6] sobre o tag along:

“Assumindo que o sócio que se retira era o controlador da sociedade, há o risco de que os demais sócios tenham de conviver com um novo controlador que eles não tiveram a oportunidade de escolher como sócios deles. Para se protegerem dessa possibilidade, pode-se prever no acordo uma cláusula condicionando a aquisição do controle pelo terceiro à aquisição das quotas dos demais sócios por um valor pré-determinado, normalmente o valor pago ao controlador. Essa é a cláusula de direito de venda conjunta ou tag along.”

Além disto, comumente existe certo temor de descumprimento do contrato entre as partes, mas principalmente por parte do investidor, posto que muitas vezes contrata com empreendedores inexperientes. Assim sendo, estipula-se outra cláusula que prevê penalidade pelo descumprimento do contrato que seja considerado crucial, isto é que não diz respeito ao mero insucesso da startup. Tal penalidade, principalmente quando ocorrer a estruturação jurídica do investimento por meio de título de dívida conversível, será a de devolução dos valores aportados e virá atrelada a um agir culposo ou doloso por parte dos empreendedores. Isto é, caracterizado por um descumprimento de um dever legal ou contratual de agir ou pela intenção deliberada de agir ilicitamente. Por exemplo, no caso de o empreendedor receber o aporte e utilizar o capital para a aquisição de um carro para fins particulares. Nestes casos, ainda, é comum a previsão de solidariedade dos empreendedores com a startup para a devolução dos valores.

Ainda, via de regra, embora o investidor anjo não torne-se sócio da startup imediatamente, visto que não é comum que este adentre ao contrato social da empresa no momento dos aportes, a este são conferidos direitos que, em tese, seriam de titularidade apenas dos sócios. Neste sentido, é prática usual que o contrato preveja hipóteses em que o investidor terá direito a participação decisiva em tomadas de decisão empresariais, como nos casos em que exista operação com valores vultosos ou com reflexo considerável na solvência da empresa, mecanismo conhecido como step-in right. (KUBLI, 2013)[7]. Por exemplo, caso as partes estipulem contratualmente, nos casos de compra de equipamentos de valor acima de X mil reais, assunção de empréstimos bancários e contratação de colaborador que receba salário acima de Y mil reais, dentre outras hipóteses. Nesta cláusula o investidor se reserva o direito de veto da operação, caso entenda representar risco à solvência da empresa e, por consequência, ao seu investimento.

Também é comum que o contrato de investimento preveja de que forma e em qual período os recursos serão investidos na atividade operacional da empresa. Isto, de certa forma, torna a startup mais profissional em sua gestão, visto que esta será obrigada a cumprir o plano financeiro previamente desenhado e aprovado conjuntamente ao investidor anjo, e aumenta as suas chances de êxito.

Além desta estipulação em conjunto do plano de trabalho, bem como a forma que serão utilizados os recursos investidos, é comum que o investidor anjo realize a exigência de constante revelação de documentos. Isto é, o investidor, poderá e deverá ter acesso aos documentos contábeis, gerenciais e principais indicadores de desempenho da empresa investida, de forma a mentorar e controlar a evolução do negócio.

Neste tema, GOMPERS (2004, p. 122)[8] esclarece que os investidores experientes e capacitados possuem maiores benefícios individuais por praticarem o monitoramento intensivo, pois sua remuneração está ligada ao retorno do investimento, diferentemente dos bancos, por exemplo, que apenas realizam acompanhamento dos documentos contábeis da empresa mutuada para a verificação de eventuais fraudes que coloquem em risco a solvência do crédito.

Além disto, evidentemente, existe o receio do investidor anjo em ver a sua participação reduzida na startup, pelos mais variados motivos. Desta forma, é presente a existência de cláusula de direito de preferência ao investidor, na qual este pode adquirir as participações na startup nas mesmas condições e valores da proposta de terceiro, bem como de cláusulas de direito de primeira oferta, hipótese em que a startup precisa ofertar primeiramente ao investidor anjo quando decidir alienar mais cotas/ações.

Por fim, seguindo-se a lógica de proteção à solvência da empresa investida, bem como do capital do investidor, é importante que se garanta a motivação dos sócios fundadores, bem como o controle da companhia a estes – por um período determinado de tempo razoável às condições de mercado – que são quem realmente entende do negócio e têm a confiança do investidor anjo.

Nesse sentido, o mercado consagrou a cláusula de standstill period, a qual estabelece que o acionista controlador não poderá reduzir por determinado período de tempo a sua participação acionária abaixo de um certo limite. Por exemplo, nesta hipótese, os sócios fundadores obrigam-se a permanecer na condição de controladores da empresa até que esta fature R$ 500.000,00 em um exercício ou até o atingimento do período dois anos contados da data de registro da sociedade na junta comercial, entre outros. Além disso, também é comum a inclusão de cláusulas do tipo lock-up period. Este tipo de cláusula determina que durante um determinado período de tempo será vedada a saída de algum sócio essencial ao negócio.

Pode-se identificar, então, que mesmo com toda a complexidade do mercado brasileiro, existem mecanismos jurídicos apropriados a diminuir o risco do capital investido e estimular, cada vez mais, o investimento anjo em startups – que certamente impulsionaram o Brasil rumo à prosperidade.

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[1] COELHO, Giulliano Tozzi. CAMARGO, Henrique Cabral. RIGÂO,  Romulo de Oliveira. CONTRATO DE INVESTIMENTO EM STARTUP PELA ÓTICA DA TEORIA DA AGÊNCIA: ANÁLISE DE CLÁUSULAS E A RELAÇÃO COM OS CONFLITOS DE AGÊNCIA. Revista dos Tribunais | vol. 976/2017 | p. 221 – 239 | Fev / 2017

DTR20172

[2] ARRUDA, Carlos; NOGUEIRA, Vanessa; COZZI, Afonso. COSTA, Vinicius. CAUSAS DA MORTALIDADE DE STARTUPS BRASILEIRAS: O que fazer para aumentar as chances de sobrevivência no mercado? Fundação Dom Cabral.  Rio de Janeiro. 2012.

[3] COOTER, Robert D.; SHÄFER, Hans-Bernd. O Problema da Desconfiança Recíproca. In: SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito e Economia: textos escolhidos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 307.

[4] Antes de tratar mais especificamente sobre o tema, é preciso destacar que o tag along que normalmente se prevê em acordo de sócios, não tem ligação direta com aquele previsto na Lei das Sociedades Anônimas (art. 254-A).

[5] COELHO, Giulliano Tozzi. GARRIDO, Luiz Gustavo. DISSECANDO O CONTRATO ENTRE STARTUPS E INVESTIDORES. In: JUDICE, Lucas. NYBO, Erik. DIREITO DAS STARTUPS. São Paulo: Juruá, 2016.

[6] CORVO, Erick. Acordo de Sócios de Sociedades Limitadas à Luz do Código Civil de 2002. In: ADAMEK, Marcelo Vieira von. Temas de Direito Societário e Empresarial Contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 84-114.

[7] KUBLI VIEIRA, Antonio Paulo. LOPES, José Virgilio. Step-in Right no Direito Brasileiro. Disponível em: http://www.machadomeyer.com.br/imprensa/step-in-right-no-direito-brasileiro. Acesso em: 10 mai 2015.

[8] GOMPERS P. The venture capital cycle. 2ª edição. 2004

Luiz Gustavo Garrido – Sócio do Garrido, Tozzi & Dalenogare Advogados. É graduado em Direito pela PUC-RS e possui LLM em Direito Corporativo pelo IBMEC. Coautor do Livro Direito das Startups, primeiro sobre o tema no Brasil. É fundador e Diretor Jurídico da Associação Gaúcha de Startups e conselheiro da Confederação Nacional de Jovens Empresários, bem como presidente da Federação das Associações de Jovens Empresários do Rio Grande do Sul.

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